A beleza da palavra escrita

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Depois de sair do metro, a caminho de casa, pus-me a pensar no livro que vinha a ler, Adults in the room escrito pelo brilhante Yanis Varoufakis. Enquanto passeava pelo parque, via patos, gaivotas, pessoas, cães, mas a minha mente não saía do mesmo lugar: o quão valiosa é a palavra escrita. Sempre quis ser uma daquelas pessoas que consegue escrever sobre qualquer tópico da maneira mais elegante, tornar assuntos aborrecidos ou técnicos numa série de palavras e frases que dê prazer de ler.

O meu pai foi jornalista de profissão. Penso que sempre será jornalista de coração. Ao longo da minha infância ouvia-o pregar a importância da subtileza na escrita. A parte de um texto que não é ciência, mas arte. Transmitir mensagens, e acima de tudo emoções, através do texto, ensinou-me ele, é um jogo constante entre cumprir as regras da língua escrita e quebrá-las da forma certa. Penso que o seio onde ele se formou o ajudou muito a ganhar a enorme sensibilidade que é preciso para ser mestre nessa arte. Ali, no coração de um jornal desportivo, constatar factos não basta. É preciso, acima de tudo, escrever uma estória. E uma bem contada.

Assim, enquanto escrevo este desabafo, ao mesmo tempo que o leio, lembro-me das discussões que tinha com o meu pai quando ele revia algum texto meu. E também da diferença que sentia quando lia (e leio) os seus textos. Talvez se tivesse dado um pouco mais de carinho aos seus conselhos, hoje os meus textos poderiam ser menos uma versão prosaica dos meus trabalhos de programação, e mais como os dele, estórias bem contadas.

Por isto, tenho inveja do Yanis. Ler este seu livro inspira-me para escrever melhor. Não será por acaso que este pequeno artigo nasceu hoje. Espero um dia conseguir transmitir o que me vai dentro da alma para um livro. Imagino-o de capa dura, azul-escura, quase como um manual de uma faculdade de direito, com poucos enfeites. Para uma capa destas, só é digno um livro extraordinário, por isso não preciso ter pressa, porque não acredito que o consigo escrever amanhã. Um dia, se tudo correr bem.

No último livro que terminei, “Sputnik, meu amor” do Murakami, uma das personagens quer ser escritora. Deixa tudo para trás para seguir esse seu sonho. Mas os meses passam, e sente-se frustrada por não encontrar satisfação em nada do que escreve. Sente constantemente que algo lhe falta, capacidade de terminar uma obra da qual se possa orgulhar, mesmo derramando para o papel todos os pensamentos que lhe passam pela cabeça. Até que um dia se cruza com uma pessoa que lhe diz “Tem calma. Uma pessoa só tem algo para escrever depois de o viver. Vive primeiro; o tempo de escrever virá mais tarde.” Estas palavras dão-me consolo. Um pouco ingénuo, talvez, mas vejo-me no futuro, sentado a uma secretária, enquanto as palavras fluem. Depois de viver. Agora é tempo de viver.

Por hoje, deixo aqui um pensamento. Depois de escritas e partilhadas com o mundo, as palavras têm uma beleza especial: são de todas as pessoas. Deixam de pertencer a quem as escreveu e passam a ser de quem as lê, de quem as descobre. Conhecimento, sentimentos, experiências, descrições, formando parte da nossa consciência coletiva. Como grande apologista de código grátis de fonte aberta, tenho um ponto fraco pela partilha livre de informação. Penso que partilhar nos beneficia; tanto a quem dá, como a quem recebe. E no fim do dia, um texto escrito e partilhado não é mais do que uma oferta que fazemos ao resto da humanidade.