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Desenvolvimento: de quê, para quem e a que preço?

• 6 min

Este artigo foi escrito originalmente para o Livro Branco da Campanha tODxS, para o qual fui, com todo o gosto, convidado a contribuir. Replico aqui no meu blogue e, quando tiver sido tornado público, deixarei também uma ligação para o Livro Branco.

É muito comum ouvirmos falar, no discurso público, sobre “desenvolvimento” e “prosperidade”. Políticos bombardeiam-nos com narrativas de “criação de riqueza”, economistas contam-nos sobre “crescimento económico” e grandes empresários mencionam uma “nação próspera”, se investirmos na indústria e em tecnologia. Mas é muito mais raro essas mesmas pessoas incluírem, nos seus discursos inspiradores, algumas questões difíceis. O que estamos a desenvolver? Quem beneficia desse desenvolvimento? Qual é o preço que estamos a pagar por esta prosperidade? Quem tomou as decisões? É sobre estas questões que este texto se irá debruçar.

O termo “desenvolvimento” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, em que vários países industrializados (EUA, Alemanha, etc.) reforçaram o envio de apoio financeiro a países mais pobres, com a promessa de ajudar estes a “desenvolverem-se”. O termo foi impulsionado pelo historiador económico Walt W. Rostow, quando, no seu livro The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto, delineou cinco fases pelas quais os países passam no seu caminho para o estado que Walt observava nos EUA e na Europa Ocidental[1]. Esta origem dos vários termos criou uma bagagem histórica que cria uma visão muito limitada daquilo que se considera “desenvolvimento”, ou daquilo que pensamos que é um “país desenvolvido”.

Por regra, quem usa o termo “desenvolvimento” refere-se ao processo — relativamente linear — de um país ou sociedade caminhar para se tornar igual aos países “desenvolvidos”: alto nível de industrialização ou foco em serviços comercializáveis, altos níveis de consumo e, por vezes, uma transição para o sistema político associado ao Ocidente pós-Guerras, a democracia tal como a conhecemos hoje. A base filosófica para tal (e para que praticamente nunca isso seja questionado) é a assunção de que este caminho é algo positivo. É bom para as pessoas dos “países em desenvolvimento”, argumenta-se por todo o lado, que os seus países passem por estas fases até se tornarem “desenvolvidos”.

Mas as perguntas que penso serem obrigatórias (tal como indiquei no primeiro parágrafo) são: desenvolvimento de quê? De saúde, educação, alimentação saudável, habitação ou transportes públicos? Ou de centros comerciais, indústria automóvel, turismo abusivo e até mesmo indústria de armamento? A tendência de colocar todo o “desenvolvimento” numa só caixa esconde que a forma como uma sociedade se desenvolve é uma escolha ativa, feita por pessoas. E quem irá colher os frutos desse desenvolvimento? As populações e comunidades, as dezenas de milhões de pessoas que vivem nos centros urbanos, nos subúrbios e nas zonas rurais? Ou será apenas um pequeno conjunto de empresários e políticos que acumulará mansões e poder do investimento feito? A percentagem do rendimento total que acaba nas mãos dos 50% mais pobres nas regiões Africana e do Sudoeste Asiático são, ao dia de hoje, de 8.9% e 11.8%, respetivamente.[2]

A última pergunta é provavelmente a mais difícil: qual o custo de toda esta “prosperidade”. Se o modelo a seguir é o do Norte Global (Europa Ocidental, EUA, Japão, etc.), então fica claro que a contrapartida é alta. Emissões de gases com efeito de estufa (passámos de 14 mil milhões de toneladas anuais, logo depois da Segunda Guerra Mundial, para as atuais 53 mil milhões de toneladas![3]) que levam a alterações climáticas imprevisíveis, degradação dos ecossistemas que nos rodeiam e uma probabilidade crescente de arruinarmos os sistemas biofísicos dos quais dependemos (acidificação dos oceanos, quebra do ciclo do fósforo, etc.).

Por tudo isto, sempre que pensamos e falamos de desenvolvimento, temos de olhar mais fundo, questionar as narrativas comuns e decidir, em conjunto, por que caminho queremos seguir, como uma só humanidade. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) continuam a ser o quadro mais abrangente e consensual que a comunidade global tem ao seu dispor. A sua implementação, rápida e assertiva, pode ser a nossa melhor oportunidade de nos guiarmos por uma visão comum.


  1. https://www.britannica.com/money/developing-country
  2. https://ourworldindata.org/economic-inequality#explore-data-on-economic-inequality. É importante realçar, no entanto, que ambas as percentagens mencionadas acima estão numa tendência crescente (positiva) desde o virar do século. Apenas o futuro dirá se essa tendência continuará durante as próximas décadas.
  3. https://ourworldindata.org/co2-and-greenhouse-gas-emissions#explore-data-on-co2-andgreenhouse-gas-emissions